Marcenaria artesanal encontra nichos específicos para se manter no mercado
Marcenart, Art Max e Gustavo Moreau Marcenaria e Design são exemplos de marcenarias que atuam com processos artesanais
Publicado em 22 de outubro de 2018 | 08:00 |Por: Luis Antonio Hangai
Profissionais cada vez mais raros de encontrar no mercado, os marceneiros artesanais estão cada vez mais ofuscados pela tecnologia. Novos materiais, maquinários e processos surgem todos os anos para facilitar ainda mais o trabalho do marceneiro, deixando-o com tempo livre para solucionar questões administrativas, estudar inovações e elaborar melhor projetos futuros. Com isso, a marcenaria que sempre foi designada como um trabalho com as mãos recebeu a denominação de marcenaria artesanal que tem como característica o trabalho com a madeira maciça.
“É buscar a madeira como ingrediente. Só trabalhamos com madeira maciça, com encaixes, evitando parafusos, evitando estruturas metálicas. Voltamos ao ponto onde a madeira é o foco principal. Do mesmo jeito que eu considero marcenaria artesanal o que eu faço, pode ter um cara na esquina que trabalha com MDF de forma artesanal e entrega um produto feito a mão também. Contudo, ele não mexe com o ingrediente, com a madeira como uma forma orgânica”, comenta o proprietário da Gustavo Moreau Marcenaria e Design, Gustavo Moreau.
O proprietário da Marcenart, Walfran Feitosa Guerra, analisa que isso é basicamente uma questão de processos. “Na minha marcenaria artesanal não temos centro de usinagem, não usamos modulação e fazemos tudo sob encomenda. O que qualifica o artesanal é isso, não fazemos por processo mecânico. Os conceitos dessa marcenaria mais contemporânea, com MDF e móveis planejados, não servem pra a área que eu trabalho, pois os conceitos são outros, a matéria-prima é outra. Trabalhamos bastante com madeira nobre e madeira importada, como a Teca”, opina.
Desta forma, o processo manual e o cuidado com detalhes e acabamentos são outros aspectos do emprego artesanal da madeira. Assim como a marcenaria sofreu alterações ao longo dos anos, o que chamamos hoje de marcenaria artesanal também passou por atualizações para dar um acabamento cada vez melhor ao produto final.
Todavia, é uma vertente que vem perdendo espaço no mercado, sendo encontrada, atualmente, apenas em nichos mais específicos como em móveis artísticos, em artigos para clientes que desejam alto nível de personalização ou na marcenaria naval, já retratada na Móbile Sob Medida. “O mercado da marcenaria clássica é mais reservado. Quem tem passa de pai para filho e propaga, mas hoje esse mercado está mais restrito”, comenta o proprietário da Marcenart.
Atuação das marcenarias
Formado em marcenaria pelo Senai há 32 anos, Marcelo da Souza Cruz passou por diversas mudanças no ramo. Morador do Guarujá (SP), ele sempre trabalhou com marcenaria naval, porém, há alguns anos também resolveu expandir o negócio para o ramo civil. “Essa parte de marcenaria civil artesanal, na minha região, foi praticamente extinguida. As pessoas estão trocando o mobiliário e não dão mais valor para os móveis artesanais”, afirma.
O marceneiro conta que quando começou sua empresa para móveis civis sob medida, tinha a intenção de projetar um mobiliário com marcenaria artesanal e com durabilidade maior como era feito antigamente. “Porém, não temos mais público para isso. Um móvel com duração de dois anos já está bom para o cliente, além de que os custos do MDF são menores e a linha de produção também é muito mais rápida. Um guarda-roupa que faço em três dias, antigamente levaria um mês”, conta.
A Art Max atua com a marcenaria naval e tem parceria com o MCP Yachts, um dos melhores estaleiros da América Latina, segundo Cruz. Todavia, este ramo também é atingido pela crise. “Na época que me formei no Senai tinha muito serviço em embarcações, mas esse ramo sempre foi instável, pois depende muito da economia. São barcos de porte de até R$ 40 milhões e reforma em torno de R$ 15 ou R$ 20 milhões. É lógico que quando acontece uma crise econômica o mercado desacelera”, conta o marceneiro.
Atualmente, este negócio atua com 10% da capacidade dos estaleiros. “O MCP Yachts fabricam trawler de alumínio de até 140 pés e há quatro anos criaram uma estrutura para contar com 300 funcionários, mas hoje está com cerca de 60. Infelizmente, toda vez que acontece uma crise econômica, esse ramo também desaquece”, explica.
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Para atuar com a marcenaria artesanal Guerra, da Marcenart, conta que o foco também está em clientes que apreciam a madeira trabalhada de forma clássica. “Quem gosta de marcenaria não quer móveis planejados, pois tanto na hora de idealizar quanto na hora de executar existem outros conceitos que são levados em consideração, como a qualidade, o acabamento e a longevidade do móvel. Não é só uma questão de preço, é um conjunto de coisas. Inclusive, há decoradoras que conservam seus marceneiros que trabalham de forma mais artesanal, para se ter um serviço de maior cuidado, melhor acabado e mais perto da perfeição”, comenta.
O profissional admite que seu produto seja moderno, contudo, salienta que utiliza um método construtivo clássico e mais resistente. “Uso espessuras diferentes do mercado e o método construtivo é muito mais reforçado com um design mais bonito que os modulados. Nós temos designers, decoradores, arquitetos que trabalham com nós e todos estudam arquitetura ou design”, frisa.
Já Moreau salienta que seu trabalho tem como principal foco o design de cada peça. “É saber as inovações de mercado em relação ao design, ao desenho mesmo e não necessariamente a ferragem ou a peças que possam nos ajudar. Queremos trabalhar com desenhos novos, trazer novas tecnologias e buscar novos conceitos pra desenvolver peças em madeira”, elucida.
O proprietário da Gustavo Moreau Marcenaria comenta que seu produto é comercializado principalmente por indicação. “Não temos muita divulgação e não trabalhamos muito com compra de espaço publicitário e nem nada do tipo, mas tentamos sempre se encaixar em feiras. Estamos tentando sempre buscar esse espaço onde a pessoa valoriza o produto e não que vá buscar um item pra ela mesma, mas que ela venha reconhecer o nosso produto como uma questão diferenciada”, pontua.
Pelo processo utilizado, Moreau diz não ser possível fazer peças com valores mais acessíveis para competir com mobiliário em MDF, MDP ou compensado devido ao tratamento. “São peças que têm cara de madeira. Então, nosso produto acaba saindo bem mais caro. Então pelo preço da matéria-prima e da mão de obra não tem como fugir de um público de classe mais alta”, justifica.
Diferencial da marcenaria artesanal no mercado
Para o marceneiro o que distingue um móvel feito de modo artesanal é a relação com a peça, sendo um processo muito mais íntimo e humano. Para o cliente, a certeza de adquirir um produto único, de qualidade e, se bem cuidado, com vida útil que pode chegar aos seus bisnetos. Por isso, reunimos declarações dos marceneiros ouvidos pela reportagem apontando o diferencial de cada negócio e do trabalho artesanal.
“O nosso diferencial é que é o marceneiro que mede, executa e monta. Tudo pelo mesmo profissional, enquanto no planejado, o móvel é feito na fábrica e eles só mandam o montador. É um processo muito mais pessoal. Não fazemos montagem, mas ajustes. E o resultado final é muito diferente. Não quero crescer mais a ponto de industrializar meu móvel e ter várias filiais, pois assim tenho a empresa na mão. E esse produto vende mais produto pra mim”, comenta o proprietário da marcenaria artesanal, Marcenart.
“Os móveis de MDF não têm a mesma durabilidade do mobiliário de antigamente feitos em madeira. Mas a pergunta seria por que, então, o MDF ganhou o mercado, se é tão inferior? Acredito que seja mais por causa do acabamento, pois o MDF tem acabamento uniforme e com mais opções de cores e coisas que não se consegue fazer com a madeira [maciça]. Em termos de modernidade até eu escolheria o MDF. Por outro lado, a mão de obra também era bem mais valorizada, pois os profissionais que faziam esse serviço tinham uma habilidade específica, não havia margem de erro. Hoje, com o MDF, não tem mais isso”, comenta o dono da Art Max, Marcelo da Souza Cruz.
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“Tem a questão do capricho da peça. Damos mais atenção a ela. Um móvel feito de madeira maciça é um móvel que é muito mais durável, a manutenção é baixa, é possível mantê-lo com cara de recém feito por muito mais tempo, sendo fácil de fazer correções e se a peça sofre algum acidente é muito fácil de corrigir, deixando a peça intacta, com aspecto novo. A madeira é uma peça viva e única, então se você comprar duas tábuas da mesma madeira, elas não necessariamente serão iguais ou podem ser muito diferentes, na verdade isso faz parte do charme da peça”.
Reportagem originalmente publicada na edição 98 da Móbile Sob Medida