ESG na indústria moveleira

Governança ambiental, social e corporativa, o ESG na indústria moveleira

Publicado em 6 de junho de 2023 | 11:49 |Por: Thiago Rodrigo

Não é de hoje que três letras entraram de vez no mundo empresarial. ESG, sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa (environmental, social, and corporate governance), fala da responsabilidade que as empresas têm de gerar impacto positivo nessas três áreas. Surgido em 2004, o termo foi cunhado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para que as empresas possam considerar questões ambientais, sociais e de governança em seu planejamento estratégico, indo além das métricas econômico-financeiras.

Muitas empresas atuam conforme as práticas de ESG desde o início da década passada, porém o tema ganhou maior força nos últimos anos, principalmente em meio à pandemia, devido ao mercado financeiro e sua preocupação com a sustentabilidade. Assim, questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão sobre o setor empresarial.

Entretanto, ESG não é apenas algo para parecer melhor para os investidores. Segundo o Pacto Global, iniciativa da ONU para as empresas alinharem suas estratégias e operações aos Dez Princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade, atuar de acordo com padrões ESG amplia a competitividade do setor empresarial, seja no mercado interno ou externo. Com as empresas sendo acompanhadas de perto pelos seus diversos stakeholders, ESG é a indicação de solidez, custos mais baixos, melhor reputação e maior resiliência em meio às incertezas e vulnerabilidades.

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Ou seja, ESG é algo que natureza, sociedade e seu próprio negócio demandam. Assim sendo, entender o que é ESG e as adaptações necessárias para estar em conformidade com essa exigência, é preciso. Não para atender uma lei governamental ou regras do mercado, mas para criar vantagens ao próprio negócio em prol da competitividade empresarial, além de benefícios para a sociedade e o meio ambiente. O ESG é considerado como algo que está acima de todas as boas práticas de gestão empresarial.

As ações de ESG têm chamado a atenção das instituições, não só por uma questão de diferencial competitivo e por trazer melhoria de desempenho, mas também para dar um retorno positivo para a sociedade e para seu público-alvo. “Isso porque, uma vez que os preceitos ambientais, sociais e de governança são bem atendidos e estão em harmonia com melhoria contínua, os resultados das instituições serão melhores. Não só para elas, mas também para a sociedade que depende de seus produtos, que aguardam seus produtos e pelo aprimoramento de seu sistema de gestão”, aponta Jorge Callado, diretor-presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).

Os critérios de ESG são, cada vez mais, estratégicos para as empresas. Como mencionado, eles são levados em consideração pelos investidores nas bolsas de valores e deverão nortear as decisões de compra de ações daqui para frente. Nesse sentido, em setembro de 2020, a B3 e a S&P Dow Jones lançou o S&P/B3 Brasil ESG (SPBRESBP), índice que lista as empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa.

“O tema ganhou tração no mundo todo durante a pandemia e entrou de vez no radar dos investidores. Isso levou as empresas a se preocuparem com a revisão dos seus planos e práticas. A cobrança veio pelo consumidor, pelo investidor e as empresas passaram a buscar respostas para perguntas relacionadas as questões ambientais, sociais e de governança corporativa”, diz Mauricio Longhini Barbeiro, professor de Finanças Sustentáveis no ISAE Escola de Negócios.

Arquivo Pessoal

“Nos últimos anos o ESG ganhou destaque no Brasil, muitas empresas passaram a ser cobradas por suas ações e seu impacto na sociedade”, destaca Barbeiro

Nova filosofia ESG

Entre os três fatores da filosofia empresarial, o professor indica que a governança vem primeiro. Para ele, se uma empresa tem boa qualidade nas suas operações, sólidos relatórios, transparência, auditorias confiáveis e rígidos controles, é quase certeza que ela terá também a mesma seriedade e preocupação com as questões sociais e ambientais referentes ao negócio.

“O Brasil tem casos emblemáticos de má governança, que levaram empresas até então confiáveis a perder credibilidade e valor de mercado. Os que querem reforçar esse alicerce podem capacitar seus executivos e contar com apoio de consultorias reconhecidas, que mostrarão o caminho para o aprimoramento das boas práticas de governança”, afirma.

Com os consumidores, clientes e investidores cada dia mais de olho em fatores sustentáveis, o ESG é a diretriz que faz ter a disciplina necessária para fazer determinadas práticas virarem um hábito. “ESG também é uma disciplina. Quando os investidores têm o bom hábito de olhar as questões ambientais, sociais e as práticas de governança antes de selecionar uma empresa, temos um progresso material na prática da sustentabilidade. Quando os clientes vão mais a fundo e olham as práticas da empresa, o que está por trás daquela marca, eles têm mais elementos para decidir entre um ou outro produto”, considera Barbeiro.

Sustentabilidade na exportação de móveis

Existem negócios ESG que são controversos, com pouca adicionalidade ambiental e social. É possível, por exemplo, encontrar um negócio que seja visto como sustentável, mas que não tenha impacto ambiental ou social positivo claro e mensurável. As empresas podem ter planos de ação, que podem ser para vários anos, começando pelos riscos mais críticos a serem mitigados e pelos pontos mais positivos que podem ser potencializados.

“As empresas não precisam ter todas as respostas, mas precisam estar prontas para ouvir perguntas. E elas virão. Os clientes e investidores estão cada vez alertas para práticas ESG. Do outro lado, empresas estão se ajustando e se organizando, em resposta a uma sociedade mais transparente, consciente e participativa”, avalia Barbeiro.

Fatores
O ESG reflete como uma empresa entende os impactos positivos do seu negócio para potencializá-los e os negativos, para minimizá-los, considerando os três fatores:
– Fatores ambientais: uso de recursos naturais, controle da emissão de gases de efeito estufa (CO2, gás metano), eficiência energética, níveis de poluição, gestão de resíduos e efluentes, preservação da biodiversidade, entre outros.
– Fatores sociais: políticas e relações de trabalho, inclusão e diversidade, engajamento e saúde dos funcionários, treinamento da força de trabalho, direitos humanos, relações com comunidades, segurança de dados, entre outros.
– Fatores de governança: independência do conselho administrativo, política de remuneração da alta administração, diversidade na composição do conselho, estrutura dos comitês de auditoria e fiscal, ética e transparência, entre outros.

Cultura ESG

O documento “Who Cares Wins”, criado pelo Pacto Global da ONU em conjunto com o Banco Mundial provocou as 50 principais instituições financeiras do mundo a refletirem sobre formas de integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais, originando o conceito ESG, em 2004. A instrução da publicação era clara e direta: minimize os impactos negativos e potencialize os positivos. Agindo assim, tem-se um olhar mais humano, prático e alinhado com as demandas da sociedade e das novas gerações.

Dessa forma, a implantação da cultura ESG é um processo importante para o diferencial competitivo das empresas. “A partir do momento que se implanta boas práticas ambientais e econômicas, se reduz danos no patrimônio natural, como água, solo e biodiversidade, de uma maneira que se possa ter uma economia mais circular, mais sustentável e mais inclusiva”, aponta Callado, do Tecpar.

Fica claro que o ESG colabora para as empresas gerarem menos danos ao meio ambiente, mais frutos à sociedade e terem uma governança exemplar aos clientes. Na parte ambiental, o diretor do instituto aponta que o ESG ajuda a estar alinhado a um processo de economia circular, em que é feita uma melhor seleção de matérias-primas, melhores índices de reciclagem, melhores tratamentos de efluentes, com foco em reduzir os danos ao meio ambiente.

Para ter a cultura de governança ambiental, social e corporativa no negócio, implantar diretrizes ESG não deve ser pensado como custo, mas sim como investimento, sabendo que o custo-benefício será alcançado. “O ESG deve ser pensado como um investimento porque são recursos que serão empregados para melhoria de processos, para melhoria de ações, tendo um impacto muito forte na gestão da instituição. Com as boas práticas de ESG pode-se ter uma ação bastante proativa que pode prever e colocar em prática a redução de custos”, diz Callado.

ESG na indústria moveleira

O ESG é uma cultura, uma filosofia que deve estar em toda empresa e em todas as áreas, devendo ser transversal para ser uma realidade sistêmica

Como resultado, o momento de custo-benefício acaba sendo desenhado e apresentado de acordo com a implementação. O diretor da Tecpar aponta que não é um custo-benefício de forma imediata porque depende de vários fatores, principalmente a questão cultural para que o conceito do ESG esteja contemplado na missão e nos objetivos da instituição. Entretanto, é algo que terá resultado em todas as esferas da empresa.

Há obstáculos para uma maior implementação do ESG nas empresas brasileiras, mas a maior delas é a questão cultural das instituições, que muitas vezes enxergam esta oportunidade como “uma obrigação a mais a ser cumprida”. “Por essa razão, é importante o comprometimento e o envolvimento da alta cúpula da instituição, dos gestores e das áreas estratégicas, para que esse processo ocorra não só de uma forma vertical, mas de uma forma transversal e sistêmica em toda a instituição. De uma forma perene, contínua e sempre sendo aprimorada”, destaca Jorge Callado.

“As práticas ambientais corretas e adequadas, utilizando tecnologias adequadas e contemporâneas, auxiliam muito na redução de passivos ambientais”, destaca Callado

Evolução no Brasil

As novas gerações de consumidores (Y, Z, Alpha) revelam interesses por questões sustentáveis. Nas gerações Y e Z, 78% e 84%, respectivamente, declararam optar por este tipo de investimento. No estudo publicado pelo Pacto Global e Stilingue, chamado “A evolução do ESG no Brasil”, Marta Pinheiro, diretora de ESG da XP Investimentos, afirmou que os investimentos com foco em critérios ESG ultrapassam R$ 31 trilhões no mundo, representando praticamente 36% de todos os ativos.

O estudo, que contou com uma pesquisa com mais de 308 participantes, aponta que 84% dos representantes do setor empresarial afirmaram que o interesse por entender mais sobre a agenda e os critérios ESG aumentaram em 2020. O relatório teve a maior parte dos respondentes dizendo serem estimulados com alta frequência a repensar e criar soluções que impactem positivamente nos três critérios ESG: 51% dos respondentes sempre são incentivados a considerar práticas com impactos sociais mais positivos; 50% para impactos ambientais mais positivos e 48% para impactos de governança mais positivos.

greenwashing na indústria moveleira

Green wash: A man’s hand holds a blank sheet of paper with the silhouette of a factory cut out. Green grass background.
Not everything “green” is ecological

Segundo o estudo, em 2019 pouco se falava sobre o ESG, com as discussões sobre o termo sendo de cunho informativo pela imprensa tradicional e abordando ao comportamento de empresas estrangeiras. No Brasil, a parte ambiental da filosofia começou a aparecer mais por conta da questão do desmatamento e queimadas na Amazônia no embate do atual governo federal com órgãos internacionais. Em seguida, a agenda social teve mais referências na internet e, por fim, a governança, abordando os casos de corrupção nas empresas Vale e Petrobras, mas com volume dez vezes menor do que os de interesse ambiental.

Greenwashing
O termo greenwashing pode ser traduzido como a prática de camuflar, mentir ou omitir informações sobre os reais impactos de uma empresa no meio ambiente, ou seja, “pintar de verde” algo que não poderia ser considerado sustentável. Trata-se de um problema alarmante, capaz de ofuscar o que é genuinamente importante quando o assunto é ESG. Para o consumidor comum é muito difícil saber se uma empresa realmente tem atitudes sustentáveis ou está praticando greenwashing. “Muitas propagandas nos fazem acreditar nas suas práticas ESG, e garantir que tudo seja verdade é realmente difícil”, aponta Mauricio Longhini Barbeiro, professor de Finanças Sustentáveis no ISAE Escola de Negócios. Segundo o especialista, um bom exemplo são os fundos de investimentos que se posicionam como “de gênero”, mas que apenas calculam o número de mulheres nos conselhos e nada mais. O docente do ISAE destaca ainda que um fundo de investimentos de gênero não se trata apenas de gênero, mas de acesso à educação, recursos financeiros e assistência de saúde. “É sobre transformar para melhor a vida das pessoas enquanto elas forem funcionários das empresas que compõem esse fundo”, aponta. “O custo do greenwashing é alto, seja por perda de reputação ou perdas financeiras. É necessário pesquisar e na era da informação é mais fácil escolher o quê e de quem comprar”, define Barbeiro.Os respondentes da pesquisa também mostraram quais iniciativas já foram praticadas por suas respectivas empresas. Em meio ambiente, foram reciclagem e reaproveitamento de resíduos (27%), redução das emissões de gases de efeito estufa (20%) e uso, tratamento e reaproveitamento de água (19%). Os dois itens que receberam menos votos foram plantio de árvores (10%) e proteção e cuidado com o solo (8%).

Do ponto de vista social, políticas de equidade de gênero estiveram entre as três atividades mais identificadas nas empresas, junto a apoio emergencial à Covid-19 e apoio às comunidades do entorno. Por outro lado, políticas de equidade racial e equidade LGBTQIA+ foram menos significativas, e estiveram entre as menos mencionadas pelos respondentes, tendo 15% e 10% dos votos, respectivamente. A única iniciativa a não ser citada por nenhum dos 308 participantes foi apoio a grupos vulneráveis, como refugiados.

Por fim, para garantir integridade das empresas e repensar métodos de governança mais positivos, a atuação das empresas têm incluído criação de mecanismos internos de compliance (41%) e de comitês (35%). Enquanto a participação em movimentos contra corrupção foi lembrada por 22% dos participantes.

Na percepção dos consumidores, uma pesquisa conduzida pela KPMG apontou que, para os brasileiros, os aspectos ESG são ainda mais relevantes do que em outros países. A pesquisa “Respondendo às tendências do consumidor na nova realidade” (Responding to consumer trends in the new reality, em inglês), mostrou a partir de dados apurados com mais de 75 mil consumidores, que 25% dos consumidores afirmam que ao menos um fator de ESG é importante.

“A relevância dos fatores ESG varia entre os mercados. No âmbito global, um em cada quatro consumidores considera que pelo menos um fator relacionado com ESG é importante na sua decisão de compra. Além disso, os consumidores afirmam que os fatores de ESG se tornaram mais importantes desde a pandemia, mas ainda carregam preocupações concretas em relação a valor e segurança”, afirma Fernando Gambôa, sócio-líder de Consumo e Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul.

Ainda assim, a mesma pesquisa indica que ainda há um longo caminho para os consumidores efetivamente adotarem os fatores ESG em seu consumo. Quando perguntados em relação à importância do fator ESG na compra, 16% consideram importante a forma como a marca lida com questões de sustentabilidade ambiental, com a mesma porcentagem que se importa com a consciência ambiental que a marca demonstra. “É um número que vem crescendo, mas ainda distante do custo-benefício, indicado por 63% dos consumidores, como importante na decisão de compra”, assinala Gambôa.

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