Mulheres na marcenaria: elas ganham presença na área e contam suas histórias
No Dia Internacional da Mulher, mulheres relatam situações na área que tinha a maioria de profissionais homens; reportagem faz parte de texto especial na Móbile Fornecedores
Publicado em 8 de março de 2021 | 20:00 |Por: Thiago Rodrigo
Historicamente, as mulheres foram impedidas pelos homens e proibidas em lei de fazer muitas coisas que gostariam. Desde serem cientistas, passando por outros trabalhos que não seriam bem vistos na sociedade por serem “trabalhos de homem”, até mesmo praticar um esporte como o futebol, foram barreiras criadas pelo sexo oposto que impossibilitaram a mulher de fazer o que ela quiser. Na marcenaria, a presença da mulher é algo que tem aumentado gradativamente. Sobre as mulheres na marcenaria, você poderá ler na edição 305 da Móbile Fornecedores (no ar nesta semana), em reportagem especial na área de marcenaria que junta o Dia do Marceneiro com o Dia Internacional da Mulher, grandes histórias de mulheres que trabalham na área.
Por ora, apontamos abaixo como elas se veem nesse mundo da marcenaria que ao longo de toda história era majoritariamente composto por homens. Tanelize de Oliveira Jorge, da marcenaria Abad Wood Art, por exemplo, enxerga que as mulheres estão cada vez mais ocupando um espaço que anteriormente era visto só para o público masculino.
“Hoje em dia, as mulheres pegam no pesado, trabalham na poeira convivem com barulhos de máquinas, isso está se tornando cada vez mais comum em todo mundo”, aponta.
Andrea Seibel, CEO da Leo Madeiras também pontua que as mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço. “No setor da marcenaria, com tantas empresas familiares, as mulheres sempre tiveram um papel fundamental, auxiliando seus companheiros na gestão financeira do negócio”, destaca.
Ela ainda ressalta: “Atualmente, existem muitas marceneiras, de ofício ou como empreendedoras, atuando na marcenaria como um todo. No ano passado, inclusive, fizemos uma live 100% feminina, que obteve uma ótima repercussão entre as mulheres marceneiras”.
Preconceitos
Raíssa Teixeira, da Catatábua conta que nunca chegou a se ofender com nada que lhe fora direcionado com o fato de ela ser uma mulher marceneira. Porém, acontece um estranhamento das pessoas. “Não tem como negar. Já duvidaram que eu fosse marceneira e não houve como eu pudesse provar”, relata.
Os momentos mais incômodos são nas visitas aos fornecedores dos materiais. “Meu conhecimento é sempre questionado, seja por vendedores ou até por leigos de passagem. Sempre perguntam se tenho certeza do que estou adquirindo ou então recebo uma aula sobre algo que já sei de cor. Não adianta eu perder tempo tentando explicar que sou marceneira, que sei a diferença entre isso ou aquilo, pois a incredulidade é tão grande que julgam que estou afirmando isso para passar de esperta. Mas na maioria das vezes acho graça e busco sempre ir a lugares onde posso manter um atendente fiel, que vai me atender com respeito”, diz.
Marina Guidi, marceneira hobbysta que se tem se aprofundado na área desde o ano passado, conta que já passou por situações em que se sentiu desconfortável por ser mulher. “Preconceito é algo que a gente caminha há muito tempo juntos dos caras e de mulheres”, declara. Ela sofreu nisso ao vender mesas de sinucas fabricadas pelo pai, na marcenaria também, enxergando que muitas pessoas não levam tanto a sério o trabalho que ela faz “como se não esperasse um trabalho bonito, delicado e bom viesse de uma mulher”.
Nas revendas, ela encontra dificuldade nos vendedores verem que ela entende de marcenaria. “Fui comprar acessórios para um móvel que ia fazer para minha irmã e na loja o rapaz falou para eu falar para o marceneiro pegar as medidas do projeto. Ele disse: ‘você tem as medidas aí?’ e respondi que tinha, mas queria que ele explicasse como funcionava o mecanismo do produto que eu ia comprar, só que ele não quis fazer isso porque achou que eu não ia entender e disse para eu chamar alguém para fazer para mim”, desabafa.
Sempre que vai comprar material em um fornecedor que ainda não a conhece, Poli Salomé, da Marcenaria Salomé, também passa por várias situações em que sua palavra é colocada em xeque. “Quanto mais específica eu sou sobre uma ferramenta, madeira ou acabamento, seja o que for, mais os vendedores querem se certificar se eu tenho certeza do que estou falando”.
Ela conta que acontece muito de alguém perguntar com o que trabalha para em seguida ouvir coisas do tipo: “mas marceneira como? Você trabalha com artesanato?”. Outra coisa que acontece bastante é procurarem a marceneira por acharem que, como marceneira mulher, ela vai cobrar um preço muito abaixo do que um marceneiro homem cobra.
“Mas a marcenaria é um ofício que requer investimento alto em formação qualificada, maquinário e insumos caros (madeiras, vernizes, etc.). Sempre tem um ‘já fui em vários marceneiros, mas os preços são muito altos, aí me indicaram você’, como se fosse uma grande oportunidade que estão me oferecendo para eu pegar um trabalho mal remunerado”, confessa Poli.
Mulher na marcenaria
Com esses preconceitos, ela julga ser diariamente desafiador ter um negócio em uma área historicamente associada a homens. “A marcenaria é um universo tão masculino e feito de homens para homens que eles não conseguem conceber muito bem que uma mulher pode fazer plenamente esse trabalho”, afirma Poli.
“A partir do momento que uma mulher está ali atuando profissionalmente por conta própria, meio que sem ‘pedir permissão’, eles fazem aquela cara de interrogação, tipo ‘como assim, uma mulher marceneira?’. Eu não crio animosidade, não fico irritada nem nada, apenas me coloco como profissional, faço até umas brincadeiras e tiro de letra e, assim, vou mostrando naturalmente que mulher na marcenaria já é uma realidade que cada vez mais eles precisam respeitar”, acrescenta Poli.
Raíssa acredita que o fato é um diferencial. Ela tem clientes que a procura por saber que tem uma empresa comandada por mulheres. “Porém, muitos não sabem que os produtos são feitos por nós, e se surpreendem quando vem retirar suas peças”, diz.
Apesar isso, a marceneira assinala que, como empresa, vive situações muito comuns, independente do gênero. “Nunca fomos questionadas em relação à qualidade ou capacidade pelo fato de sermos mulheres. Nossos clientes são muito especiais e nos procuram por um conjunto de fatores”, considera.
Prazer pelo trabalho
Em relação a ser mulher e marceneira, isso só soa estranho para Raíssa quando ela para para pensar no assunto. “Para mim sempre soou muito simples eu ser marceneira. Nunca me questionei em relação a não ser algo comum ou socialmente aceitável”, avalia.
E que assim seja. Essas questões de poder ou não fazer algo por ser mulher, nunca a impediram de correr atrás dos sonhos – e que também não impeçam ninguém. “Eu nunca percebi que meu sonho era algo mais comum no meio masculino. Na verdade, eu espero que um dia uma mulher ser marceneira seja algo normal. Temos muito potencial em qualquer profissão que decidirmos seguir”.
Para Poli, é muito gratificante poder ter a própria marcenaria de forma autônoma e aos poucos ir ganhando espaço dentro da profissão. “Eu me sinto absolutamente feliz e à vontade quando eu estou lá dentro trabalhando e aprendendo que cada projeto é sempre um desafio e sempre muito aprendizado. Isso, por si só, já me satisfaz”, revela.
Ademais, Poli enaltece que saber que o fato de ser mulher marceneira é uma existência política e que está contribuindo para desconstruir esses tabus sociais é importante para ela. Por isso, ela criou workshops com aulas para mulheres interessadas em trabalhar com madeira – que infelizmente estão parados desde o início da pandemia.
“Estou ajudando outras mulheres a se aventurarem na experiência da marcenaria, oferecendo um espaço de acolhimento, onde elas podem se sentir seguras para aprender, isso me realiza ainda mais e me dá um propósito muito maior de vida”, afirma.