Do plantio à fabricação: cadeia produtiva de móveis se destaca pela responsabilidade ambiental
Estado do Paraná desponta como referência no plantio de florestas, na indústria de painéis de madeira e na fabricação de móveis, destacando-se em toda a cadeia produtiva de móveis
Publicado em 1 de fevereiro de 2024 | 16:28 |Por: Everton Lima
Uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em 2022, mostrou que o consumidor brasileiro está cada vez mais atento ao impacto ambiental de suas ações. 50% dos entrevistados afirmaram que verificam, antes da aquisição de um produto, se sua produção foi ambientalmente correta. Em 2019, esse percentual era de 38%.
31% dos participantes afirmaram que até aceitam pagar mais caro por um produto, se a sua produção tiver sido ecologicamente sustentável — entre os que ganham mais de 5 salários-mínimos, esse percentual chega a 42%.
“A preocupação com o meio ambiente, com o ciclo de vida dos materiais e com a conservação dos recursos naturais é um desafio a ser enfrentado por toda a sociedade. A adoção de práticas sustentáveis tem sido, felizmente, cada vez mais adotada tanto por empresas quanto pela população, o que é um passo relevante para avançarmos rumo a uma economia com menores emissões de gases de efeito estufa.
A indústria brasileira tem buscado caminhos para produção e hábitos mais sustentáveis. É um caminho sem volta”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Nesse sentido, muitas indústrias estão precisando se reinventar, mudando completamente os seus processos de produção e buscando em pesquisas novas matérias-primas, mais ecológicas.
Mas esse não é o caso da indústria moveleira. Ainda que muitos consumidores não se deem conta disso, a fabricação de móveis já está muito adiantada quando o assunto é bioeconomia e produção ambientalmente sustentável — e muito disso se deve à escolha da madeira usada na fabricação de móveis, cuja origem são as florestas plantadas.
Florestas plantadas: fundamentais para a indústria moveleira
A indústria moveleira provavelmente não existiria da maneira como a conhecemos hoje sem o uso dos painéis de madeira, feitos a partir de florestas plantadas.
Não por acaso, o mercado moveleiro se destaca em sua participação no segmento florestal brasileiro. “No setor florestal brasileiro, o segmento moveleiro permanece com o maior número de empresas, chegando a 41,6% do total, seguido por fabricação de produtos de madeira (16,8%) e produção de florestas plantadas (16,2%)”, explica o Estudo Setorial, publicado pela Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE), em 2022.
O estado do Paraná foi pioneiro no plantio florestal de larga escala e 60% dos hectares atuais dessas florestas são de pinus, matéria-prima fundamental na fabricação de móveis.
O estado tem a maior plantação dessa espécie em todo o Brasil. Isso dá à indústria moveleira paranaense mais competitividade logística e acesso facilitado à madeira.
A cidade de Arapongas (PR) concentra um dos maiores polos moveleiros do Brasil e o presidente do Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas (SIMA), José Lopes Aquino, reconhece que a força do estado no setor florestal contribui para que a indústria moveleira paranaense ganhe relevância nacional e internacional.
“O fato do polo moveleiro de Arapongas estar próximo a produtores da principal matéria-prima favorece a competitividade, pois há redução de custos logísticos, por exemplo. Além disso, a qualidade da matéria-prima paranaense é um dos fatores mais importantes para a nossa produção. Portanto, termos no Paraná florestas e indústrias que fornecem matéria-prima com essa condição nos favorece muito”, esclarece.
O polo moveleiro de Arapongas emprega cerca de 19 mil pessoas, de acordo com o SIMA. Em 2022, as exportações de móveis dessa região aumentaram incríveis 90%, chegando a mais de US$ 95 milhões, segundo a Comex Stat.
Isso mostra que a decisão tomada pelos empresários e agricultores da cidade em 1970, de deixar de lado a produção de café para se dedicar aos móveis, foi acertada — atualmente, 10% de todos os móveis brasileiros vêm do polo de Arapongas.
Esse polo industrial tem 1.009 empresas, espalhadas por 42 cidades — e 37% dessas fábricas estão em Arapongas.
A qualidade da madeira paranaense vem do investimento em tecnologia, como melhora genética das plantas e aperfeiçoamento do manejo. Soma-se a isso o clima favorável que o estado tem para o plantio e o resultado não poderia ser outro: alta produtividade.
Ao mesmo tempo, a indústria da madeira instalada no estado se beneficia dessas florestas, ofertando ao setor moveleiro matéria-prima de qualidade
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (Abimci) confirmam a importância da região Sul na fabricação de matéria-prima para a indústria moveleira.
Em 2021, o estado do Paraná foi responsável por 68% da produção nacional de compensados de coníferas. Na sequência veio o estado de Santa Catarina (31%) e o estado do Pará (0,3%). Juntos, os três estados produziram 2,6 milhões de m³ dos 3,4 milhões de m³ produzidos em todo o Brasil.
O bom resultado dessa produção paranaense só é possível porque, também em 2021, o estado produziu cerca de 116,3 m³ de madeira por dia. Atualmente, mais da metade (55%) de toda a madeira de pinus brasileira vem do Paraná, segundo a APRE.
Parceria entre setor moveleiro e de florestas gera milhares de empregos
Dados do Caged mostram que o setor de florestas gerou 608 mil empregos em todo o Brasil no ano de 2020. Desses empregos, quase um terço (28,8%) foram gerados por empresas do setor moveleiro.
Em todo o estado do Paraná, o número de postos de trabalho criados por esse mercado foi de mais de 100 mil postos — sendo que 29,2% dessas vagas de trabalho foram criadas por empresas moveleiras.
“Os empregos no setor paranaense de florestas plantadas estão, em maior parte, em Curitiba, Ponta Grossa e Campos Gerais, além das regiões de Sengés, Telêmaco Borba, Guarapuava e General Carneiro”, explica o estudo da APRE.
Indústria florestal pode contribuir para a imagem dos móveis brasileiros junto ao consumidor interno e externo
Quem atua na cadeia produtiva do mobiliário já sabe da origem da madeira que se transforma em móveis, entendendo que esse processo produtivo respeita a mata-nativa.
Contudo, especialistas do setor e políticos reconhecem que o consumidor e compradores internacionais ainda podem ter dúvidas sobre esse tema.
Em audiência pública realizada no ano passado na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep) o deputado estadual Artagão Júnio (PSD) falou sobre a percepção que a sociedade pode ter sobre o setor e seus impactos ambientais.
“O que ficou evidente aqui neste evento, ao contrário do que a sociedade imagina, é que quando a gente fala do setor florestal, da floresta plantada, nós temos um segmento, até por exigência das certificações internacionais, com um compromisso muito acima do convencional no sentido da preservação e da sustentabilidade”, disse.
Essa preocupação é compartilhada pela diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Cândida Cervieri. Ela explica que as notícias negativas envolvendo o desmatamento nas florestas brasileiras podem criar uma resistência injusta do consumidor estrangeiro em relação aos móveis produzidos em nosso país.
“Sem dúvida, essas notícias podem impactar negativamente a imagem do Brasil no mundo. Por isso mesmo a importância de destacarmos também as ações positivas, como as realizadas pela indústria florestal e a cadeia de madeira e móvel na preservação ambiental e na gestão da sustentabilidade produtiva do País”
Nesse sentido, os fabricantes de móveis já notam a necessidade de desfazer esses mal-entendidos para garantirem participação no mercado externo.
“A União Europeia, um dos principais mercados-alvo da indústria brasileira de móveis, passou recentemente uma nova lei proibindo a importação de produtos oriundos de desmatamento, incluindo o mobiliário.
Os Estados Unidos e o Reino Unido, grandes parceiros comerciais, também seguem a tendência. Nesse sentido, a Abimóvel e a ApexBrasil reforçam a necessidade de adequação e certificação de matérias-primas e processos produtivos na indústria brasileira de móveis”, conta.
Clarissa Franco é gestora do projeto setorial Brazilian Furniture (BF), uma parceria entre a ApexBrasil e a Abimóvel, cujo objetivo é divulgar o mobiliário brasileiro no exterior.
Para ela, a certificação de origem da madeira usada pela indústria, conseguirá dar ao móvel nacional credibilidade junto aos grandes compradores.
“Por meio do projeto setorial Brazilian Furniture, uma parceria entre a ApexBrasil e a Abimóvel, temos buscado difundir a sustentabilidade da cadeia produtiva mobiliária brasileira.
Todos os móveis de madeira exportados são certificados e possuem o selo FSC (Forest Stewardship Council) — Conselho de Manejo Florestal, em português.
Esse selo é reconhecido internacionalmente e identifica produtos oriundos de um bom manejo florestal, ou seja, que a floresta da qual a madeira é extraída está sendo explorada de acordo com todas as leis vigentes e de forma correta dos pontos de vista ecológico, social e econômico.
Sendo assim, apesar da repercussão dessas notícias, o móvel brasileiro vem sendo reconhecido internacionalmente por sua qualidade e sustentabilidade aplicadas no processo produtivo”, opina.
A questão ambiental é entrave entre UE e Mercosul, em relação ao acordo de livre comércio entre os blocos.
Os europeus enviaram um adendo (side letter) ao texto inicial acordado entre os países. Nesse adendo, consta a necessidade dos países do Mercosul comprovarem que seus produtos não têm origem relacionada ao desmatamento. Políticos de países do Mercosul acusam os europeus de serem protecionistas.
Dados exclusivos levantados pela Brazilian Furniture e compartilhados com o eMóbile revelam que 84% de todos os móveis brasileiros exportados são oriundos da madeira de florestas plantadas e adequadamente manejadas.
Florestas plantadas são parte dos avanços ambientais da indústria moveleira
Além das florestas plantadas em sinergia com as melhores práticas ambientais, os fabricantes de móveis têm tomado inúmeras iniciativas importantes para reduzir o impacto ambiental de suas atividades, adequando a fabricação às novas demandas no mercado, como o ESG.
“A indústria moveleira no Brasil tem se destacado como uma referência na adoção de práticas de gestão da sustentabilidade, como evidenciado pelas certificações que abrangem cerca de 98% das empresas brasileiras exportadoras de móveis, com o setor também fazendo parte do Pacto Global da Organização das Nações Unidas, seguindo seu Guia de Sustentabilidade”, compartilha Cândida Cervieri.
A diretora da Abimóvel chama a atenção para a redução de emissões de carbono por parte dos fabricantes.
“Entre as certificações mais notáveis estão o selo Carbono Zero, o CARB (California Air Resources Board) e o FSC, que asseguram a neutralidade de emissão de carbono, a procedência da madeira utilizada nos móveis e o impacto ambiental dos processos de produção.
A eficiência energética, a logística reversa e a reciclagem de materiais e embalagens, assim como a incorporação de matérias-primas sustentáveis e o desenvolvimento de produtos de maior durabilidade são também questões prioritárias para reduzir ainda mais os possíveis impactos ambientais das fábricas”, pontua.
Há ainda outras conquistas a serem celebradas, segundo a Abimóvel. O setor reduziu o seu consumo de água em 9,5%. Em 2022, o segmento reduziu sua emissão de gases do efeito estufa em 23,5%, na comparação com 2004-2005. Já o uso de fontes de energia renováveis, como a biomassa, foi de 63,7%.
Conquistas confirmam compromisso do setor com ESG
Cláudia Lens é designer e especialista em engenharia da produção, além de ser Consultora Industrial em P&D e melhoria de processos. Para ela, todos esses bons resultados experimentados pela indústria moveleira atestam o seu compromisso com a qualidade de sua governança e os objetivos de ESG.
ESG é uma sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, que pode ser traduzido para Ambiental, Social e Governança.
Cada uma das letras representa um pilar de qualidade em governança empresarial que as companhias precisam atingir. Entre os benefícios dessa conduta estão o acesso a linhas de crédito, facilidade para exportar, melhora da imagem junto ao consumidor, redução de gastos com processos, entre muitos outros ganhos.
Claudia elogia a indústria moveleira e concorda que o setor está em um bom caminho, mas ela afirma que é necessário continuar trabalhando para obter uma melhora contínua.
“O cuidado ambiental é um dos três pilares do ESG. Portanto, quando falamos em meio-ambiente, estamos falando de conduta, mais uma vez, uma cultura que deve se fortalecer cada dia mais junto às indústrias.
Sim, o uso de matéria-prima vinda de florestas bem-manejadas é um diferencial, mas devemos chegar ao ponto em que isso não tenha que ser destaque para aqueles que fazem e sim algo intrínseco, temos que provocar uma população cada dia mais responsável. Isso envolve o nosso trabalho, mas também deve ser incluído como valor nas novas gerações, por meio da conscientização e da educação ambiental”, opina.
A especialista concorda que o consumidor está cada vez mais atento ao impacto ambiental de seu consumo e que as empresas devem buscar atender a essa demanda de forma realista, para muito além da publicidade.
“Isso com certeza, vai gerar cada vez mais a necessidade de a indústria ser transparente e valorizar o fato de usar matérias que venham de fontes seguramente renováveis, mas é importante pontuar que, ao mesmo tempo em que temos uma geração preocupada, por outro lado ainda temos a desinformação e pouco conhecimento sobre a importância de apoiar essa causa.
Essa informação não deve e não pode ser usada simplesmente para o marketing. Além da informação, é importante que a indústria alinhe sua marca aos seus propósitos sociais, fortalecendo o conceito e a cultura como um todo”, conclui.
De acordo com a pesquisa da CNI, citada no início desta matéria, quatro em cada dez entrevistados afirmaram que violações a direitos trabalhistas motivam o boicote a uma marca.
Quase mesma quantidade (39%) afirmou que o envolvimento da marca em crimes ambientais justificam um boicote pelo consumidor.
Consumo de madeira sustentável deve crescer 30% em todo o mundo
No ano passado, diferentes entidades se reuniram em Curitiba para participar do “Diálogo Regional — Madeira sustentável para um mundo sustentável na América Latina”.
Durante esse encontro, Thais Linhares, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) destacou que a demanda por madeira sustentável deve crescer 30% nas próximas três décadas e que essas florestas têm papel importante no controle das emissões de carbono.
“Quando produzida de forma sustentável, a madeira contribui de forma significativa para o armazenamento de carbono nas florestas. A madeira sólida e a fibra de madeira, por exemplo, podem fornecer produtos com baixo teor de carbono, capazes de substituir os que utilizam os combustíveis fósseis em muitos setores económicos”, destacou Linhares.
Já a engenheira florestal Patrícia Machado, da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), enfatizou a necessidade do setor em explicar os benefícios que a silvicultura tem para a bioeconomia, pois nem sempre as pessoas entendem a diferença entre o manejo sustentável das florestas e o desmatamento:
“Nesse sentido, cabe, a cada um de nós, destacar a importância da matéria prima e seus produtos. O público em geral está desconectado e não tem conhecimento do que a madeira verdadeiramente representa. Trabalhar para aumentar essa conscientização e compreensão é essencial para impulsionar a sustentabilidade”, opinou.
Em setembro deste ano, o setor florestal brasileiro atingiu um número expressivo e inédito: 10 milhões de hectares de área plantada, segundo relatório anual da Ibá.
“Essas árvores foram plantadas, colhidas e replantadas para a geração de bioprodutos de origem renovável, biodegradáveis e recicláveis, utilizados por mais de 2 bilhões de planetários. Além disso, a indústria preservou no último ano 6,91 milhões de hectares de mata nativa, provando que é possível produzir e preservar”, celebrou a entidade em nota oficial.
“Acreditamos que o Brasil deve se inspirar nos bons exemplos já existentes e o setor de árvores cultivadas é um deles”, diz Paulo Hartung, presidente da Ibá. “O compromisso do setor com o futuro do planeta mostra que é possível conciliar crescimento econômico com responsabilidade ambiental. A Indústria Brasileira de Árvores continua a investir em inovação e sustentabilidade, mostrando ao mundo como a bioeconomia pode ser uma solução viável para os desafios climáticos globais”, conclui Hartung
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