Black Friday: consumidor busca mais do que desconto

Comportamento planejado, uso de canais digitais e pressão por condições de pagamento redefinem a estratégia da Black Friday para o varejo de móveis

Publicado em 9 de outubro de 2025 | 08:56 |Por: Julia Magalhães

Por mais que a Black Friday tenha se consolidado no calendário do varejo brasileiro, 2025 sinaliza uma virada de chave. Os dados projetam crescimento expressivo, mas o comportamento do consumidor e o ambiente econômico impõem novas exigências ao lojista, especialmente no setor de móveis. Mais do que alcançar grandes volumes, o desafio é compreender o que realmente motiva a compra: quais fatores pesam na decisão, em que momento ela acontece e como o consumidor chega até o ponto de venda. Entender essa lógica comportamental – e não apenas responder a ela com descontos – torna-se crucial para transformar a intenção em conversão.

Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), a previsão é de movimentar R$ 13,34 bilhões – um avanço expressivo em relação aos R$ 9,38 bilhões registrados em 2024. Naquele ano, a Black Friday teve o maior faturamento desde 2020, somando e-commerce e varejo físico. O crescimento foi impulsionado pelo pagamento do décimo terceiro salário, pela maior adesão dos consumidores (44% em 2024 contra 29% em 2023) e pelo aumento da confiança nas compras digitais.

O comportamento de compra observado na última edição da Black Friday ajuda a entender o que esperar deste ano. Segundo dados da Dito CRM e do Opinion Box, 44% dos consumidores fizeram compras ao longo de todo o mês de novembro, enquanto 39% concentraram suas compras na semana da Black Friday. Apenas 10% deixaram para o dia exato e 7% compraram depois. Esse movimento consolidou o chamado “Black November” e serve de alerta: o consumidor está atento e mais planejado. Para o lojista, isso significa que o calendário promocional precisa começar antes, e a comunicação deve ser antecipada. Não basta esperar o fim do mês com um encarte de última hora – quem planeja primeiro, vende melhor.

O consumidor digital exige integração de canais

A jornada de compra também se tornou mais complexa. A predominância do ambiente digital é inegável: segundo a Opinion Box, mais da metade das compras on-line em 2024 ocorreram via celular, e esse número tende a crescer. Mas não se trata apenas de ter um site responsivo.

O consumidor pesquisa no Google, compara preços em marketplaces, assiste à lives com ofertas e finaliza a compra no WhatsApp da loja. Essa multiplicidade de canais exige do lojista uma atuação mais coordenada, integrada e responsiva.

O e-commerce segue em expansão. De acordo com a ABComm, o setor movimentou R$ 100,5 bilhões apenas no primeiro semestre de 2025, com ticket médio de R$ 540 e mais de 41 milhões de compradores. A projeção para o segundo semestre é ainda mais otimista, impulsionada pelas datas sazonais e pela expectativa em torno de novas tecnologias de pagamento.

“O e-commerce brasileiro vive um momento de consolidação e inovação. As empresas estão investindo em experiência de compra, logística e novas tecnologias, enquanto os consumidores demonstram cada vez mais confiança no ambiente digital. Essa combinação fortalece o setor e amplia seu papel na economia nacional”, afirma o presidente da ABComm, Fernando Mansano.

Decisão de compra passa por confiança e experiência

No setor moveleiro, a decisão de compra envolve fatores que vão além do preço. Medidas, montagem, prazo, estilo e funcionalidade: tudo pesa. Para ajudar o cliente a decidir, lojistas mais atentos começam a investir em formatos interativos. O live commerce, por exemplo, ainda representa uma fatia modesta das vendas (5% em 2024), mas cresce com consistência.

Oferecer demonstrações ao vivo, tours virtuais e consultoria em tempo real é uma forma de criar conexão e reduzir incertezas. A tecnologia ajuda, mas não substitui a escuta ativa e o atendimento bem treinado.

Apesar do domínio dos canais digitais, as lojas físicas seguem relevantes. Na edição de 2024, 57% dos consumidores compraram por sites, 52% por aplicativos de lojas, 35% em lojas físicas e 31% em marketplaces, de acordo com a Opinion Box. O mesmo estudo mostrou que dois em cada três brasileiros gastaram entre R$ 101 e R$ 1.000 (63%), consolidando essa faixa como o principal patamar de consumo. Já 23% compraram entre R$ 1.001 e R$ 5.000 (22% em 2023).

Ofertas reais e operação alinhada

Para o especialista em transformação digital e experiência do cliente, Fernando Moulin, ainda há tempo para o lojista se preparar. “Quem não começou a se planejar, agora início de setembro, não é tarde. É possível trabalhar peças promocionais, alavancar o estoque e montar estratégias de comunicação que direcionam a atenção do consumidor”, afirma. Moulin destaca que o foco deve ser em ofertas reais, percebidas como vantajosas, mas sem comprometer o posicionamento da marca.

Entre as categorias mais compradas na edição promocional do ano passado, eletroeletrônicos e eletrodomésticos lideraram (48%), enquanto casa e decoração representaram 23%. No entanto, esse comportamento se insere em um contexto macroeconômico que pede cautela.

O início de 2025 foi marcado por queda na intenção de compra de bens duráveis, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). A alta nos juros e o endividamento das famílias esfriaram o consumo em diversas categorias, inclusive móveis. Para o lojista, isso significa que o apelo promocional não é suficiente. Condições reais de acesso – parcelamento, frete competitivo e alternativas como Pix parcelado – ganham peso estratégico.

“O consumidor está extremamente ‘oferteiro’. O momento da economia não é bom. Vemos um ritmo de desaceleração no consumo muito grande, seja em função de empresas, famílias, legislação, entre outros. Então, o momento é tentar trabalhar essa necessidade dos clientes de uma melhor equação de valor, ou seja, de custo-benefício. Mesmo que o lojista trabalhe com um nicho muito premium e específico, esse nicho também está mais sensível a preço no momento”, pontua Moulin.

Ele reforça que a Black Friday deve ser usada como oportunidade para fechar metas de faturamento do ano, trazer novos clientes ou fidelizar consumidores que poderiam buscar preço em um concorrente.

“Não é só vender. É preciso evitar a sensação de ‘Black Fraude’. O consumidor quer desconto verdadeiro e prazo cumprido. Isso exige integração entre o estoque, a comunicação e a logística”, destaca Moulin.

O especialista recomenda um planejamento por ciclos: desenhar ofertas por semana ao longo de novembro, com base na disponibilidade real do estoque. E alerta: a transparência na entrega e a robustez do pós-venda são determinantes para a satisfação e fidelização do cliente.

Fernando Moulin, especialista em transformação digital e experiência do cliente, alerta para a importância de ofertas reais, logística eficiente e pós-venda robusto | Crédito: Divulgação

IA como diferencial competitivo

Apesar do cenário mais contido, o setor de móveis tem se mantido resiliente. Em 2024, o índice da Cielo mostrou crescimento de 7,9% nas vendas da categoria durante a Black Friday. A expectativa é de que esse número seja ainda maior neste ano. Mas o resultado dependerá do preparo.

Na prática, ações como atendimento consultivo via WhatsApp, campanhas segmentadas, mensagens de pós-venda e fluxos automatizados vêm se consolidando como estratégias eficazes de relacionamento. O uso de automação de marketing ganhou protagonismo, especialmente com newsletters personalizadas, que além de fortalecerem a conexão com os clientes, mostraram-se altamente eficazes em gerar engajamento e conversão.

Segundo a edrone, plataforma de CRM e automação de marketing voltada para o varejo digital, campanhas automatizadas chegaram a ser 25 vezes mais eficientes que disparos tradicionais de e-mails.

Além disso, recursos como pop-ups de inscrição, e-mails de boas-vindas com cupons e recomendações de produtos personalizadas ampliaram as oportunidades de venda. As ações de recuperação de carrinhos abandonados e os cadastros de newsletter também se destacaram como estratégias de alto retorno.

De acordo com o Relatório do Varejo 2025 da Adyen, a inteligência artificial já faz parte da jornada de compra da maioria dos consumidores no País. O levantamento mostra que 52% dos brasileiros utilizaram ferramentas de IA, como assistentes virtuais, para auxiliar nas compras nos últimos 12 meses, sendo que 18% recorreram a esse recurso pela primeira vez no período.

Entre as empresas, 77% já adotam inteligência artificial para recomendar produtos, enquanto 72% dos consumidores reconhecem valor na tecnologia para descobrir novas marcas e experiências. A pesquisa ainda revela que 70% dos entrevistados estão dispostos a realizar compras via IA no futuro.

Já os dados apresentados no evento Google Black Friday, realizado em agosto, trazem um cenário mais amplo. O estudo aponta uma mudança relevante no comportamento de consumo, marcada pelo maior uso da IA. De 2024 para cá, dobrou o número de brasileiros que recorrem a ferramentas generativas para buscar novos produtos.

Hoje, 75% das pesquisas são comerciais amplas, voltadas a soluções e não apenas a itens específicos – o que coloca as marcas na posição de curadoras.

Métodos de pagamento: podem impulsionar ou arruinar

O pagamento é um dos pontos mais sensíveis da jornada de compra: quando a experiência é simples e conveniente, a venda se concretiza; caso contrário, a chance de abandono cresce. O Relatório do Varejo 2025 da Adyen aponta que 56% dos consumidores brasileiros abandonariam uma compra se não pudessem pagar da forma desejada. A pesquisa também mostra que 30% utilizaram carteiras digitais no último ano, refletindo a rápida adesão a soluções mais ágeis e tecnológicas.

“O lojista, mais que buscar uma inovação específica da Black Friday, precisa reduzir a fricção do pagamento junto ao seu cliente, seja por meio físico ou digital. A ideia é oferecer ao cliente uma variedade de opções de pagamento que o permitam fazer a conta, seja no cartão de crédito/débito, PIX ou qualquer meio que seja a preferência dele”, ressalta Moulin. Ele reforça que o importante é trabalhar com os métodos já conhecidos e usados pelo consumidor, mantendo boas condições de parcelamento sem comprometer a margem, mas que ajudem o cliente a financiar seu desejo de consumo.

Símbolo da data que movimenta bilhões no varejo e redefine estratégias também para o mercado moveleiro | Crédito: Divulgação

Logística e pós-venda: o elo da confiança

As questões logísticas também entram no centro da discussão. Para Moulin, prazos de entrega realistas são fundamentais. Ele recomenda que o lojista sinalize apenas prazos que consiga cumprir, levando em conta a área geográfica atendida.

Outro ponto importante é ter um pós-venda robusto e bastante visível para o cliente entrar em contato se necessário, quando tiver um problema. “É essencial que o lojista acompanhe as vendas da Black Friday com uma equipe de operação específica para essa data, produzindo relatórios diários de acompanhamento e garantindo que qualquer reclamação recebida pelo SAC seja prontamente resolvida e esteja ao alcance da alta gestão da empresa”, afirma. Esse cuidado evita frustrações e ajuda a sustentar a confiança do cliente, especialmente em categorias de maior valor como móveis.

Confiança como fator de decisão para Black Friday

No fim das contas, o que se impõe é uma abordagem mais sofisticada da data. A Black Friday não é mais uma explosão de preços baixos, mas uma operação completa: logística, atendimento, credibilidade e, principalmente, planejamento.

Não basta anunciar frete grátis – é preciso garantir que o produto chegue antes do Natal. E não basta colocar um banner no site – é preciso conversar com o consumidor nos canais certos, na hora certa.

A edição de 2025 aponta para um varejo mais inteligente e menos imediatista. E quem atua no setor de móveis sabe: não se vende um guarda-roupa como se vende um fone de ouvido. O cliente quer soluções, não apenas ofertas.

Neste cenário, lojistas que anteciparem movimentos, dominarem seus canais e conectarem tecnologia com atendimento humano sairão na frente. Porque a Black Friday pode até ser em novembro, mas a decisão de compra começa muito antes. E quem não acompanhar agora, corre o risco de não ter para quem vender depois.

Cinco passos para uma Black Friday sem tropeços

  1. Planeje em ciclos: organize promoções semanais durante o mês de novembro;
  2. Ofereça pagamento facilitado: inclua Pix, parcelamento e alternativas sem juros;
  3. Garanta prazos reais de entrega: não prometa o que não pode cumprir;
  4. Invista em canais digitais: esteja presente e ativo onde o cliente pesquisa;
  5. Ative um pós-venda efetivo: resolva problemas com rapidez e visibilidade.

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